Ao criar do zero uma varanda inexistente, o escritório Passos Arquitetura redesenha o layout original e incorpora gestos da arquitetura japonesa para devolver ao apartamento a presença do tempo, do vento e do verde
Em uma rua tranquila no Jardim Paulista, zona oeste de São Paulo, o Apartamento Tatuí partiu de um desejo: recriar, em meio ao concreto, a experiência de morar com o pé no chão — mesmo estando no alto. O desafio era transformar um apartamento convencional em um refúgio urbano com alma de casa, onde o verde, a luz e a brisa fizessem parte da rotina.
Assinado pela Passos Arquitetura — estúdio que se destaca por projetos residenciais e comerciais marcados por escuta, afeto e desenho sob medida — o projeto nasceu no contrapé de um movimento urbano. Logo após a aquisição do imóvel, a paisagem em frente começou a ser tomada por um novo edifício. Com a iminente perda da vista e do respiro, surgiu a necessidade de criar camadas de proteção — visuais, físicas e afetivas.
A resposta veio em forma de layout e leveza. O novo desenho fragmenta a planta tradicional em núcleos que orbitam com fluidez: estar, TV, jantar e cozinha se distribuem organicamente e se conectam por vigas aparentes que sugerem uso, sem impor rigidez. O verde, por sua vez, atravessa e costura esses espaços.
O gesto mais radical — e talvez o mais simbólico — foi a criação da varanda, inexistente na planta original. Abrir esse espaço foi como esculpir uma nova relação entre dentro e fora: uma área de transição, contemplação e pausa, onde o flamboyant do entorno se converte em cenário vivo, numa ode ao conceito japonês do shakkei (“cenário emprestado”).
O percurso social se transforma quase em ritual. Quem entra no apartamento é conduzido por etapas: do hall à varanda, passando por um tsuboniwa — pequeno jardim interno típico das residências japonesas — e pelos ambientes de estar. Ao longo de toda a extensão da nova varanda, um jardim contínuo dilui as fronteiras entre interior e exterior, ativando a sensação de abrigo em meio à cidade.
O projeto apostou em soluções enxutas — e cheias de intenção. No lugar do forro tradicional, uma estrutura de paricá aparente percorre os ambientes, embutindo luz, som e alma com leveza. As ripas funcionam como luminárias e costuram o espaço de forma contínua — um gesto simples, bonito e eficiente.
A marcenaria desenhada sob medida costura a identidade do apartamento com precisão de alfaiataria. O sofá central acolhe e conecta, como um abraço no espaço. Já a mesa de jantar, com encaixes inspirados na tradição japonesa, materializa a leveza e o rigor da proposta — uma peça que parece flutuar entre memória e função.
Mais do que adaptar um apartamento, o projeto do Apto Tatuí reinventa o morar em altura. Com soluções simples e gestos precisos, a arquitetura se torna linguagem — silenciosa, essencial e profundamente viva.
Imagens: André Mortatti.