Leis, autoria e consciência criativa se cruzam na defesa da inovação no design contemporâneo brasileiro
São famosas as tipologias desenhadas pelo genial poeta e tradutor norte americano Ezra Pound, classificatórias, por exemplo, de escritores e literaturas. Há os inovadores, os mestres (também criadores) e os diluidores. Claro que há, entre estes terceiros, os bem intencionados. Pecam apenas pela mediocridade, pela vulgarização, pelo fazer fácil. Mas há outros, os plagiadores, que buscam dividendos a partir da coisa alheia. Estão mesmo em toda parte. Aqui, nos interessa a pauta Design.
Dois são os ramos do direito que protegem os vários aspectos da criação intelectual no contexto do design brasileiro. O direito autoral ampara a expressão criativa da ideia. É regido pela Lei nº 9.610/98, norma estabelecida para proteger relações entre criador e utilização de sua criação. Esse trunfo divide-se ainda em direitos moral e patrimonial: o primeiro garante autoria da obra intelectual; o segundo refere-se a seu uso econômico. É direito exclusivo do autor dispor de sua obra como quiser, bem como permitir que terceiros a utilizem.
Já o direito industrial protege criações industriais, incluindo patentes de invenção, desenhos industriais, marcas. Ampara a novidade, a originalidade da criação, bem como sua aplicação prática. Depende, assim, de registro junto ao INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial. É regido pela Lei nº 9.279/96.
Ressalta-se: um mesmo design pode, assim, ser protegido por ambos os direitos, autoral e industrial, dependendo das características específicas da criação.
O plágio no design de móveis, por exemplo, é conduta comum. A indústria de móveis é altamente competitiva no País e há os diluidores que buscam “criar” produtos “semelhantes” aos de sucesso no mercado. Respeito aos direitos de propriedade intelectual dos criadores originais? Nem pensar! E as consequências são todas negativas: desincentivo à criatividade e inovação, danos à reputação e confiança, perda de competitividade. O plágio é crime, de acordo com a Lei no. 10.695, de julho de 2023.
Combater o plágio exige não somente que empresas e designers busquem proteção legal para suas criações, mas também que busquem promover a cultura da originalidade e criatividade.

A designer Roberta Rampazzo acredita que “mais do que apenas registrar uma criação é necessário repensar profundamente o próprio sistema de proteção à propriedade intelectual. Mesmo com o registro feito, muitas empresas se aproveitam de brechas legais para criar versões `inspiradas´, que na prática são cópias com alterações mínimas. Isso enfraquece completamente a proteção autoral, porque juridicamente esses pequenos ajustes já descaracterizam a peça original e tornam o processo de defesa quase inviável”. Essa perspectiva é compartilhada por Roberta Mandelli, diretora de relações institucionais e internacionais da Tidelli (empresa que tem como política registrar patentes de suas criações), a qual entende que “a proteção é muito baixa, pois qualquer mínima alteração é considerada outro produto”.
“Consideramos esta prática de cópias uma afronta ao designer e às boas práticas do mercado” – Roberta Mandelli, Tidelli
Para a MillerKnoll, empresa com forte legado de inovações em design, é fundamental contar com os processos estabelecidos para sua proteção a nível global: “isso inclui trabalhar com órgãos legais e regulatórios ao redor do mundo pra registar nossos designers, marcas e patentes, além de manter documentação que reflita o processo de design e desenvolvimento em todas as nossas marcas”.

Questionada sobre apropriações indevidas em mercado cada vez mais veloz e competitivo, a arquiteta e designer Fernanda Marques esclarece que “todas as nossas criações são registradas junto ao INPI. Além disso, documentamos detalhadamente o processo criativo, mantendo registros de esboços, datas, trocas de e-mails e contratos”. A arquitetura entende que “no mercado atual, a proteção passa não só pelo registro formal, mas também por uma comunicação clara com parceiros e clientes, por contratos bem elaborados e pela construção de uma reputação sólida, que ajuda a desincentivar cópias indevidas”.
“Quando uma ação judicial avança, o produto copiado já foi lançado, vendido em larga escala e o impacto comercial já aconteceu” – Roberta Rampazzo, designer de produtos
De acordo com Roberta Rampazzo, quando o design é desenvolvido em parceria com grandes marcas e ganha escala, especialmente em mercado internacional, “fica mais difícil monitorar possíveis cópias; a circulação aumenta, os produtos chegam a mercados que nem sempre conseguimos acompanhar de perto e as reproduções às vezes acontecem sem que a gente perceba de imediato”. E cabe ressaltar que acionar juridicamente empresas em outros países é caro, complexo, o que limita as possibilidades reais de defesa de autoria. “Também adotamos medidas para proteger informações confidenciais de design, colaborando com designers, fornecedores e outros parceiros sob acordos que respeitam os direitos e responsabilidades relacionados à propriedade intelectual. Internamente, conservamos uma cultura de respeito à criatividade por meio de políticas e práticas que ajudam a garantir que nossos ativos intelectuais sejam gerenciados com responsabilidade e legalmente protegidos”, declara a MillerKnoll.
“Trata-se de garantir que quando alguém investe em uma peça como a Eames Lounge Chair esteja adquirindo algo real e autêntico” – MillerKnoll

Quanto aos desafios em proteger direitos autorais quando o design é desenvolvido sob encomenda ou em parceria com grandes marcas, Fernanda Marques entende ser “importante alinhar tudo na negociação inicial, sobre quem detém os direitos autorais, como será a comercialização. As marcas parceiras com as quais trabalho estão muito atentas a estes tópicos e parcerias são positivas para garantir a visibilidade do produto, seja através da marca, seja através do designer”. Também a Tidelli está atenta aos desenhos. De acordo com Roberta Mandelli, “cada novo produto é desenhado e prototipado diversas vezes, até chegarmos ao produto final com todos os ajustes necessários”, mantendo documentação detalhada sobre os processos criativos e desenvolvimento de seu design, com esboços e protótipos.
“A linha entre inspiração e cópia é tênue, assim ética e transparência fazem toda a diferença” – Fernanda Marques, arquiteta e designer
Na opinião de Roberta Rampazzo, a “autoria intelectual é do designer por definição, que pode ser negociado de diferentes formas. A empresa pode comprar os direitos de comercialização da peça por um tempo determinado ou adquirir os diretos autorais de forma definitiva, tudo depende do tipo de acordo firmado”.
De fato, o importante é que haja transparência. Sempre.

Por Renato Marin
Imagens: Diversos/Sinalizado nas imagens.